Revelações - Mulher, como não te adorar?

Tudo começa com uma simples dúvida e uma pergunta bem feitas. Pensei em mergulhar nas sombras literárias e tudo o que encontrei foi a expressão calorosa da Sofia e Admira, junto ao seu filho Rafael, um menino dos seus dois anos. Era tão tarde, as estrelas iluminavam o nascer da lua, acompanhavam a conversa que alí fluia. Nenhum toque d'águas servia de incómodo para a conversa que rolava no momento, tudo era igual, tudo era um múltiplo de sorrisos estampados em seus olhos, até que a Sofia comentou: - que tarde cheia de estrelas deixa uma machamba bem cuidada se estragar dessa forma? Sem esperança, sem desejo de prospectar um futuro melhor? Afinal, tudo é simples e somente o tempo pode nos dar as melhores respostas para tudo o que estamos a passar, foi, então, que a Admira reagiu: - sorte. Apresento-lhe a sorte que nunca nos abandonou, uma sorte que se aprofundou em um cenário sortudo. Essa sorte, salvou a minha alma perdida no mato, junto a Galinha-do-mato sem jeito quase para tudo. Olhe, comadre, deixe-me dizer algo. Fui até lá, não cheguei, tentei novamente, não consegui, tentei misturar ervas e mais ervas, porém nada surtiu aquele efeito desejado, a sua machamba chora e a senhora, comadre, não lhe pode ouvir, a senhora perdeu aquele milho por um milénio, e, nem com uma década pode recuperar todo o estrume que aquela machamba dava. Aquele brilho às enxadas, aquele brilho às estrelas...nossa, comadre, ficou apenas o preto salvaguardando, talvez a lucidez e esperança do milho que não dá o que colher. Essa não era a tão sonhada fábula das mulheres incríveis saindo do poço, a Sofia, procurara entender de todas as formas, porém não teve êxito, mexera o bebé e, as suas mãos tão mal-preparadas o fizeram chorar. Aquele choro lembrara a Admira um ensinamento muito popular: "criança que não chora, morre no colo da mãe". Foi, então, que ela descobriu as artimanhas do bebé, afinal bebé fala? Essa foi a reacção de quem nem por perto esteve, nem de longe podia ouvir ou escutar, porém alí esteve sempre presente. Parecia um campo de guerra, um campo sem armas de fogo, mas armada em uma conversação longa e construtiva das mulheres sonhadoras. Então, a Admira, com o seu jeito meigo e especial de mexer as palavras, frisou de todas as formas: - clube de feiticeiros moram sempre ervas perigosas, clube de milho mora sempre uma Galinha-do-mato faminto e com maior destreza, enquanto o seu maior alvo é ambição. Acreditei neles, chorei junto nos momentos mais terríveis do século XXI, afinal, a preocupação em minhas lágrimas era só um espectáculo para os demais, e, principalmente para a coroa silenciosa e vazia; que canto? Mas que canto aquele Galo tão grande e forte deu naquela rua sem sombras...apenas partiu, partiu e agora, os murmúrios sobre ele são mais frequentes em todas as partes. Digo-lhe, minha comadre, sorte, sorte é ficar entre cantos sem observar nenhum canto, pois assim terá o que dizer para o Rafael. Isso não foi um alerta, mas foi o suficiente para ele voltar a chorar. Os seus choros mostravam a sua presença, pois tempo demais já havia esgotado e as mulheres continuavam alí, conversando sobre tudo e menos nada. 

Tardiamente, a Sofia virou e viu uma sombra falante, uma sombra sem nome, sem cheiro, principalmente sem nenhuma boca, mas acima de tudo, sempre falava. Falava sempre em seu canto escuro e sombrio, era como se não fosse reconhecido ou visto pela multidão que clamara: "vota vota vota". Esse era o único grito que do alto se podia ouvir, tanto em matas assim como em machambas. Milhos dançavam em prol da sua vinda vitória, a Galinha-do-mato, matara-se de tão repartida que era, então sucedeu a tristeza em suas asas, banhadas de ausência de tudo quanto sonhou, por isso, não restara nada se não fugir e ficar no mato, colado ao seu mestre no túmulo deixado nas panelas jogadas na Beira. Aos seus pés, Sofia, nada podia vir e ouvir como tal, perguntara de forma equivocada ao vento, pensamentos que se acomodavam bem no âmago solene, daí veio a voz do Rafael, um menino dos seus dois anos. Mãe, mãe...dada, quero dada...alegre-se, comadre, o seu menino já fala, percebe muito do que fala, dê-o pequeno-almoço, almoço e o jantar porque amanhã fará o mesmo por si. Sonhei sonhando nisso, apresentei apresentando essas formas. Tudo é década, século ou até milénio, preciso da minha machamba bem cuidada, chegou a hora da colheita, o milho deverá encher os meus bolsos, casacos, por vezes, até mesmo os meus sapatos pintados a preto.

Enquanto uns clamavam: vota vota vota, o som da primeira morte veio murmurar nos ombros das mulheres, tudo era golpe, desespero, angústia, traições de todos, tanto os que guiavam quanto os que apoiavam menos. A água, transformou-se em sangue, igual ao Rio do Egito, foi então que a Admira e a Sofia, junto ao Rafael decidiram sair da rua e voltar para casa. Ouvindo e vendo o que havia acontecido, o Rafael, um menino dos seus dois anos disse: - Mateus 24:7-13. Repetiu, repetiu e repetira de várias formas e, compreendeu-se o voto como símbolo catastrófico do século XXI, pois nada podia mudar a traição das nações. Rafael, o menino dos seus dois anos, tudo o que sabia fazer era chorar e chorar sempre, por vezes, o choro apresentava-se como uma alternativa sarcástica, porém dava aos outros uma posição e melhor forma de seleccionar os passos subsequentes. A tarde tão agitada pelo brilho das estrelas, transformou-se em uma escuridão que até a própria escuridão temia. Foi um fardo calculado em décadas, séculos até milénios. Afinal, tudo era só uma artimanha das mulheres vindas do poço.


(Des)Caminhos da poesia moçambicana de hoje


“temos bons poetas e muitos sabem escrever,

mas há um excessivo labor da palavra, excessiva metaforização,

e cada vez que isto acontece há uma fuga na comunicação

que se busca estabelecer com o leitor”

 

Marcelo Panguana 

De algum modo, venho reflectindo sobre este assunto. Vagueio entre a vontade, a dúvida e a dívida que devo saldar há quase uma década. Escrevi sobre a “poesia moçambicana de hoje” sob o olhar que tinha naquele "hoje". Um olhar que se fitou ao conteúdo a desfavor da forma que é também preponderante na arquitetura textual. Era outro momento, outra desenvoltura e outro fôlego. Mas nada disto me impele a vergonha do tempo nem a força do click no delete: são ossos de um percurso que devem ficar registados.

Um convite à leitura de Neighbours de Lília Momplé

Ler o decurso de uma longa noite de Maio nas páginas de Neighbours de Lília Momplé, e perceber, nas entrelinhas, o momento, o facto, o detalhe ténue que se traduz num aparentemente mesquinho móbil duma guinada na vida de um ser, é um renovado prazer.

Numa linguagem pouco rebuscada, acessível a um maior número de leitores, aliada ao jeito materno de conduzir o enredo, Lília Momplé escreve Neighbours como quem apanha os retalhos da história não para recontá-la, mas para reconstituir um universo que está além do que ela (a história), enquanto ciência, se compromete a trazer.

 
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